28 de abril de 2012

'Chegadas e Partidas': a simplicidade 'no ar'

Chegadas e Partidas - GNT: sexta-feira às 22h00

Como é bom ter uma boa estória pra contar. De quem parte, de quem chega, de quem fica. E quando se sabe que é a Astrid Fontenelle que conduz esse desenrolar de emoções é melhor ainda. Acompanho a Astrid desde os tempos do 'Happy Hour' (ô saudades...) e assim que soube que ela estaria se 'reinventando' (palavras dela no último dia de programa) torci, vibrei, mas sabia que a 'hour' não seria mais tão 'Happy' assim das 19 às 20 da noite...

Em 2011, com a primeira temporada, no canal GNT, o 'Chegadas e Partidas' se mostrou como um programa emocionante, leve e simples. Tem simplicidade maior que se encostar em alguém que está abraçando o outro na despedida e puxar assunto para perguntar pra onde vai, quem são os abraçados, quanto tempo vai ficar no destino, se está deixando filhos, emprego, marido ou esposa pra tentar a vida em outro país?

E pra quem chega, a conversa é mais interessante. Parece que a bagagem é mais pesada. Além das malas, traz a saudade, o abraço que às vezes nem deu quando se despediu, a certeza de que sobreviveu e pode contar estórias na volta...

Me lembro uma vez que, esperando o vôo num aeroporto, me peguei querendo puxar conversa com pessoas que estavam esperando a chegada dos seus naquela porta de quem sai cansado da viagem, mas que ao rever familiares e amigos o cansaço vai embora na hora, sabe, mas eu cai na real e pensei: deixa isso pra Astrid, ela faria melhor do que eu... hehehe


Além do mais, o programa ganha com sua trilha sonora, um misto de letras e ritmos que fazem os olhos se encherem de emoção, pois no fundo você sabe que você poderia está lá também passando pela experiência do 'vai com Deus' ou 'seja bem vindo'. A própria música-tema do programa já diz tudo:


'Sabe, alguém quando parte,
é porque outro alguém vai chegar
Num raio de lua, na esquina, no vento ou no mar
O adeus traz a esperança escondida
Pra quê?
[...]
Pra quê querer ensinar a vida?
Pra quê sofrer?'
Cartão Postal - Rita Lee


Pois é, quem tem o privilégio de ter em sua casa a TV por assinatura tem dessas preciosidades NO AR. Que venham as próximas temporadas, pois estarei aqui na frente da TV disposto a conhecer gente que fica, gente que vai, gente que volta...

Sonhos que aprisionam - Ivan Martins






Havia na minha casa, até uns dias atrás, uma travessa cheia de pedras. Elas eram de cores, tamanhos e formatos diferentes. Tinham em comum o fato de haverem sido coletadas em viagens. Se eu estivesse num lugar especial, procurava uma pedra bonita e a metia no bolso. Mais tarde, de volta em casa, juntava o item novo à coleção. Haveria, talvez, umas 30 pedras na travessa.


Na semana passada, preparando a casa para uma reforma, disposto a recomeçar a vida, decidi que era hora de me livrar de coisas que eu vinha acumulando desnecessariamente há pelo menos 10 anos. Rodaram roupas, objetos, revistas, livros e, claro, as pedras. Mas não foi fácil. Cada vez que eu punha uma coisa de lado, com a disposição de me livrar dela, algo me incomodava profundamente. Havia uma dor ali, ou várias dores diferentes.

As pedras eram parte do passado que, de alguma forma, eu tentava agarrar e materializar. Os livros, vários que eu nunca tinha lido, representavam uma inquietação pelo futuro: agora eu nunca saberia o que há dentro deles. As roupas, muitas delas sem usar há anos, ficavam me acenando do chão, empilhadas, com as situações que haveriam de vir e nas quais eu sentiria falta delas.

O nome desse sentimento inquietante é apego.

A gente se agarra às coisas, como se agarra às pessoas e às ideias. Na verdade está tudo entrelaçado. As coisas representam pessoas, que nos remetem a sentimentos e ideias. Ou representam sentimentos e ideias, que nos lembram de pessoas. Qualquer que seja a ordem, esse sentimento é um fardo. Tentando reformar e recomeçar, tentando reiniciar a vida, a gente percebe como é difícil deixar as coisas para trás. Inclusive os sonhos e os planos, por mais banais e genéricos que sejam.

Assim como nos apegamos a livros que nunca lemos, ou CDs que nunca ouvimos, também nos apaixonamos por coisas que nunca vivemos e gostaríamos de viver, embora não sejamos capazes de explicá-las ou defini-las. Essa forma de apego é vaga, mas tem uma força brutal sobre as nossas ações.

A esperança de viver coisas espetaculares (mas indefinidas) no futuro impede que a gente se mova no presente. Ela leva, por exemplo, algumas pessoas a protelar indefinidamente relações afetivas duradouras. Elas não conseguem renunciar ao sonho de perfeição do conto de fadas ou abrir mão das possibilidades eróticas oferecidas por um planeta com seis bilhões de pessoas. Isso equivale à dificuldade de jogar fora um DVD que nunca foi visto. É apego pelo desconhecido.

Tenho a impressão de que esse sentimento pelo futuro é o maior obstáculo à mudança na nossa vida.

O passado é uma entidade com peso e qualidade definidos. Lidamos com ele todos os dias. Desapegar não é simples, como mostra a minha coleção de pedras, mas pode ser negociado, como sabem os analistas. Memórias podem ser reavaliadas, experiências podem ser diluídas no tempo. Podemos chegar à conclusão que sobreviveremos ao grande amor e ao grande trauma – e com alguma pesar, por um e por outro, somos capazes de enterrá-los em alguma medida.

O futuro é outra história. Nele residem todas as nossas expectativas. Depositamos neles nossas aspirações práticas e subjetivas. Em direção a ele arremessamos os nossos desejos não realizados, a redenção das nossas frustrações. No futuro encontra-se a pessoa que desejamos ser. A felicidade mora lá e nos assombra como um fantasma a cada minuto da nossa vida. Não saberíamos viver sem ela. Seria desumano.

É contra essa esperança enorme, avassaladora e perniciosa que temos de lutar todos os dias para tomar conta da nossa vida. Não basta olhar para trás e se livrar das coleções de pedras. Ou das roupas velhas. Para começar de novo, em qualquer idade, temos de jogar fora os sonhos embolorados e as ilusões. Precisamos nos livrar do futuro sem rosto que nos assombra.

É provável que a felicidade, como coisa duradoura, não exista. Mas, se ela pode ser encontrada em algum lugar, ainda que de forma fugidia, é no presente. Para enxergá-la, precisamos estar de olhos bem abertos, livres das sombras do passado e das luzes que cegam no futuro. Não é fácil, mas quem disse que a vida é simples?


Fonte: ÉPOCA, 25 de abril de 2012.

Quase isso... rsrsrs