9 de junho de 2012

"Me dê um conselho" - Daniel Motta


A urna na Avenida Paulista, próxima ao Conjunto Nacional

Em março de 2010, o designer Daniel Motta,  que colaborou em algumas das mais importantes publicações do país como Playboy, Superinteressante, Trip, Nova Escola, Estilo, Bons Fluidos e Bizz, pôs em prática uma ideia inusitada. Espalhou por 32 endereços da cidade, entre eles a Praça da Sé, a Rua Augusta e a Avenida Paulista (foto), uma caixa de madeira estampada com um pedido simples: “Me dê um conselho”. Ao lado, um bloco e uma caneta. Durante seis meses, recolheu mais de 2.000 papéis. “Havia desde dicas interessantes para a vida até desenhos do Batman e telefones de mulheres solteiras”, conta. (Veja São Paulo, edição 2273, 13/junho/2012).

Construí uma caixa de madeira, pintei-a de branco e escrevi “Me Dê Um Conselho” em preto nas laterais. Deixei um bloco de papel no topo e uma entrada para que as pessoas colocassem as folhas lá dentro, como uma urna. E, claro, deixei uma caneta também. Por 18 meses, saí ao menos uma vez por semana coletando conselhos de quem transitava pelas ruas de São Paulo. Assim que colocava a caixa em algum ponto da cidade eu me posicionava a uma distância grande o suficiente para que ninguém me notasse fotografando a movimentação. Homens, mulheres e crianças escreveram conselhos engraçados, conselhos sérios, políticos, amorosos, conselhos sem sentido algum. Teve gente que pediu conselhos em vez de dá-los, outros fizeram desenhos e alguns até deixaram o telefone para que eu ligasse depois. O projeto funcionou exatamente como eu imaginei – às vezes, até melhor, como no dia em que recebi tantos conselhos no Parque Villa-Lobos que o bloco de papel até acabou. Mas também amarguei temporadas de completo fracasso – no Largo de Moema, por exemplo, ninguém se importou em escrever uma mísera linha. Uma companhia de seguros copiou a ideia e até fez uma campanha publicitária pedindo conselhos, acredita? Bem, não sei quantos conselhos eles receberam, mas eu recebi mais de dois mil no total. Aqui você vê uma compilação dos melhores. (Prefácio do livro Me dê um conselho, Editora Altamira)








A felicidade é uma obrigação de mercado - Arnaldo Jabor


Antigamente, a felicidade era uma missão a ser cumprida, a conquista de algo maior que nos coroasse de louros; a felicidade demandava "sacrifício". Olhando os retratos antigos, vemos que a felicidade masculina estava ligada à ideia de "dignidade", vitória de um projeto de poder. Vemos os barbudos do século 19 de nariz empinado, perfis de medalha, tirânicos sobre a mulher e os filhos, ocupados em realizar a "felicidade" da família. Mas, quando eu era criança, via em meus parentes, em minha casa, que a tal felicidade era cortada por uma certa tristeza, quase desejada. Já tinha começado o desgaste das famílias nucleares pelo ritmo da modernidade.
Hoje, a felicidade é uma obrigação de mercado. Ser deprimido não é mais "comercial". A infelicidade de hoje é dissimulada pela alegria obrigatória. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Esta "felicidade" infantil da mídia se dá num mundo cheio de tragédias sem solução, como uma "disneylândia" cercada de homens-bomba.
A felicidade hoje é "não" ver. Felicidade é uma lista de negações. Não ter câncer, não ler jornal, não sofrer pelas desgraças, não olhar os meninos malabaristas no sinal, não ter coração. O mundo está tão sujo e terrível que a proposta que se esconde sob a ideia de felicidade é ser um clone de si mesmo, um androide sem sentimentos.
O mercado demanda uma felicidade dinâmica e incessante, cada vez mais confundida com consumo, como uma "fast-food" da alma. O mundo veloz da internet, do celular, do mercado financeiro nos obriga a uma gincana contra a morte ou velhice, melhor dizendo, contra a obsolescência do produto ou a corrosão dos materiais.
[...]
Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais efêmero. É o fim do "happy end", pois na verdade tudo acaba mal na vida. Estamos diante do fim da insuportável felicidade obrigatória. Em tudo.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Cada vez mais o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que nunca alcançamos.
Hoje, há que assumir a incompletude como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.