16 de maio de 2014

EU FUI DEMITIDO HOJE NO ANO PASSADO - #eumechamoANTONIO

No dia 13 de maio de 2013, logo pela manhã, fui chamado pela minha gestora para uma sala pequena onde me foi anunciado que eu não estava mais nos planos da empresa. Em outras palavras, eu tinha sido desligado das minhas funções de redator/editor de conteúdo digital de uma das maiores startups de compras coletivas do país. Acho engraçado: hoje as pessoas são desligadas como se fossem uma velha máquina de lavar, um liquidificador inútil, um computador que não se adaptou ao novo sistema. Saudade do tempo de quando éramos demitidos! 
As pessoas se tornaram máquinas. Algumas pifam por vontade própria ou pelo tempo de uso e precisam ser imediatamente trocadas para não interromper o ciclo lucrativo de metas – planilhas – apresentações – reuniões – resultados; outras são simplesmente arrancadas da tomada sem esperar, da noite para o dia. Conheço outras ainda que são desconfiguradas do modus operandi:acordar-trabalhar-dormir. Isso quando “dormir” consegue ser encaixado no briefing do dia.
Eu faço parte das que foram desligadas porque a realidade da corporação não exigia mais tantas pessoas fazendo a mesma função. Até onde eu sei, minha máquina não apresentava defeito algum, meu processador ainda não tinha dado pane e minha memória ainda tinha bastante espaço para armazenar novos desafios. Mas, uma coisa é certa, às vezes é bom reiniciar nossa vida e procurar uma nova configuração para os nossos sonhos e evitar assim um boot inesperado. 
Se não fossem esses ciclos, a vida seria tão quadrada. Recomeçar sempre dá medo. Se recomeçar fosse um território, sem dúvida, faria fronteira com a Islândia, a Sibéria ou o Polo Sul. Dá um frio imenso na gente, parece que um iceberg desperta sem avisar e que o mundo de repente congela. Mas acho que esse medo é a vida espantando o que nos acomoda, ou incomoda. E acho que esse frio é a coragem esfriando nossa incapacidade de agir. E acho que esse iceberg é só um imenso amigo que quer nos levar para um porto seguro. E é lá que a vida precisa recomeçar.
Passado o susto do inesperado, ainda naquela pequena sala, minha gestora, visivelmente emocionada, disse que eu tinha tudo para brilhar lá fora e que seria melhor para mim. Na época, paralelamente ao trabalho, eu desenhava timidamente algumas coisas em guardanapos e tinha acabado de abrir uma página na internet (vocês provavelmente devem conhecer: Eu me chamo Antônio) para dividir essas criações com quem se interessasse. Realmente, seria melhor eu ter um tempo para me dedicar ao que eu acreditava ser o que eu faria daqui para frente. 
A partir daquele momento, comecei a levar a sério o que eu amava. No fundo, eu já queria pedir demissão, mas não sabia como exteriorizar isso, me faltava coragem para verbalizar essa vontade que vivia bagunçada em mim há um tempo. Faltava só organizar as letrinhas e… ter coragem! Ah, se a gente soubesse dos milagres que a coragem é capaz de produzir!
Quando algo lhe incomoda ou quando você começa a sentir uma angústia constante e não consegue pôr para fora, saiba que está acontecendo um diálogo entre você e o seu mundo interior. Pode ter certeza, ele não erra: algo está errado! Você não se encaixou nesse serviço. Ali não é o seu lugar. Aquele não é seu amor. Tenha coragem: peça demissão, mude de ares, termine o seu namoro. Hoje, completo um ano, exato 365 dias sem um emprego convencional. 
Não estou querendo dar um ctrl + alt + del no mundo corporativo, longe disso. Afinal, aprendi demais naquele ambiente, conheci pessoas incríveis e tive a sorte de vivenciar histórias inesquecíveis. Eu apenas descobri o que realmente me faz bem. Não que eu estava infeliz, mas meu caminho não era por aquela estrada.
Obrigado por terem me arrancado da tomada, agora eu posso me ligar no que me dá luz. Conquistar o que a gente ama é libertador.
*PEDRO GABRIEL nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”, perfil do Instagram e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo Antônio, lançado pela Intrínseca.
Fonte: http://www.intrinseca.com.br/site/2014/05/eu-fui-demitido-hoje-no-ano-passado/