22 de maio de 2014

“Educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”

Quem nunca sentiu em plena luz do dia o mundo cinzento e circunspecto à sua volta, levante a mão. As palavras saindo da boca sem ordem e sem juízo. O discurso atrapalhado, estendendo os braços por detrás de sentenças inteiras sobrepostas umas sobre as demais.
Brincadeira ainda verde de cabra-cega, esgueirando os restos de infância através de um corpo decididamente maduro. Quem nunca ansiou compor de quietude seus gestos e de apaziguamento sua mente? Confesse enquanto há tempo.
Afinal, qual a diferença entre solidão e o se sentir solitário?
Solidão é algo imenso, calmo, às vezes até grandioso. Uma nobreza ímpar — tingida, com frequência, de um lilás bem clarinho.  Uma cor que se mantém delicada e transparente mesmo em dias de vento forte. Em um de seus líricos desabafos, Machado de Assis sentenciou: “Desesperado, cuidei que o ar e a solidão me aplacassem o ânimo”.
Os dicionários comentam da qualidade feminina e substantiva da solidão. Entretanto, há controvérsias que se agitam nas definições. Alguns arriscam entendê-la como um “estado de quem está totalmente só; imerso em Isolamento moral e interiorização espiritual”. Outros atribuem modalidades ásperas, ariscas, queixumes de abandono a esta palavra, que se preenche inteira de suas singulares percepções.
Estados particulares de experimentar momentos quase orientais de aprofundamento e introspecção.  Um mergulho calmo e visceral, recheado de possibilidades de se constatar como alguém único.
Faremos agora um passeio pelo cotidiano. Pela existência opaca de muitos de nós, enfiados frequentemente em relacionamentos sem eco e sem ruídos. A não ser diante das sublevações caseiras, em cujo contexto antecipam-se fagulhas de raiva acumulada, impropérios contra a falta de dinheiro, negado pelo marido para as multicompras sonhadas naquele shopping sofisticado e  inaugurado recentemente.
“Eu quero, eu preciso daquele vestido!” a mulher se exaspera, ameaça iniciar um escândalo a varejo, dentro do quarto e sala sem varanda, e nem vaga de garagem. Um antigo ditado sentencia: “antes só do que mal acompanhado”. Mas quem aguenta a própria e mirrada companhia, confundida com uma legião de avatares dispersos nas comunidades de infinitas redes sociais.
Admita: você nunca se multiplicou em tantos personagens, nos dias atuais e nem se sentiu tão sozinho. São as frágeis promessas da vida virtual que o cercam, enroscadas em carências de todos os tamanhos e procedências.
Não é vergonha, porém, flagrar-se habitando um imóvel vazio, tedioso e mofado que é o seu próprio corpo. Mais que depressa, entretanto, em regime de semi-histeria, e diante de desalentadora situação, a ordem é cobrir-se  de tatuagens estranhas, algumas agressivas, bizarras,  iconoclásticas.  Outras simbolizando seres míticos, tracejados por dragões, serpentes e guerreiros medievais.
Conferir um upgrade na potência de existir, afinal, faz bem à vaidade, e também, a um difuso sentimento de insegurança. Introduzir piercings e próteses debaixo da pele, adereços de contornos surreais, traduz-se em gesto solidário para combater a própria solidão.
Imiscuir-se no álcool e em outras deleitáveis drogas traz um conforto sem precedentes a tantas criaturas toscas que vagueiam pelas noites à espreita de minguados e provisórios contatos físicos. Porque convenhamos, agora você tira sarro é do seu smartphone, dos tablets e gadgets afins ávidos de sua plena atenção.
O casal almoçando aos sábados sempre no mesmo restaurante — há alguns anos ungido pelo sagrado exercício do matrimônio, mas sem emitir qualquer som, durante o pretenso momento de lazer, é digno de registro. As conversas, convém elucidar, foram esquecidas no sótão da casa onde moram, junto a utensílios em desuso.
Separação? Nem pensar. Imagine o que os casais amigos, as famílias em comum comentarão do fracasso conjugal? Sorrir é preciso, a qualquer preço — ainda que o esgar desarticulado no rosto sem esperanças resulte de antidepressivos. Transmitir alegria a dois — mais um dentre os indiscutíveis deveres sociais.
“Antes mal acompanhado do que só” —  é a máxima vigente nos mínimos intercâmbios cotidianos. Decidir pela separação assemelha-se para muitos a um ato deplorável. Nada mais lamentável e desolador, resolver quebrar as algemas daquela funesta união.
Poucos são os que fruem de uma solidão próspera, rica de pormenores tão íntimos quanto os discretos recantos da alma. Solidão grávida de inventividade, carisma, originalidade e prazer, por que não?
A solidão fecunda, enraizada nos jardins das legítimas escolhas pessoais gera milagres, encantos, deliciosas  singelezas. Talvez quase ninguém se dê conta disso, nesta “Era do Vazio”, título, aliás, de uma obra do  pesquisador Gilles Lipovetsky,  centrada no  hipernarcisismo e individualismo contemporâneos.
Sentir-se solitário, entretanto, faz-se acompanhar de muletas de toda espécie. Drogas, sexo indistinto e em profusão, gula gigantesca, fala interminável, saídas compulsivas para programas em todos os lugares, apenas com o intuito de se livrar da própria tenebrosa e asfixiante companhia.
Os eremitas, anacoretas, monges silentes deslizando por mosteiros enormes soam incompreensíveis às regras de bem-viver coletivo, delineadas pelas instituições, família, escola, igreja, antes mesmo de nascermos.
A solidão para muitos significa exílio e prisão. Sem entender que estes  raros e consentidos encontros devem ser  brindados especialmente  Com um champanhe dos deuses, sorvido prazerosamente em taças do mais puro cristal francês.

Fonte: http://www.revistabula.com/969-educacao-vida-incluir-aulas-solidao/

21 de maio de 2014

O QUE É SUCESSO? Por Wanda Camargo


Nossas prioridades nos definem. A maioria de nós escolhe, humanamente, perseguir conforto, segurança, reconhecimento, até mesmo a fatuidade dos “símbolos de status”. Uns poucos, santos, demônios e artistas, preferem a eternidade – não têm a possibilidade de não preferi-la. A visão estética, política, de ideias ou de revolução os domina e leva a fazer grandes coisas, coisas terríveis, coisas medíocres, coisas geniais, sempre verdadeiras, ainda que nem sempre belas ou morais. O que de melhor e pior a humanidade já realizou foi por iniciativa dessas pessoas, que geralmente são indiferentes à riqueza, algo muito importante para os comuns mortais.
Já entre as pessoas que valorizam e obtêm sucesso material há as que nunca se sentem verdadeiramente seguras de sua sorte. Precisam de autoafirmação permanente, têm atitude ostensiva e arrogante, usam roupas e acessórios que custam muitas vezes mais do que realmente valem (mas trazem os sinais de seu preço à mostra), frequentam apenas “áreas vip”, gostam de champanhes caros servidos com fogos de artifício e de outras puerilidades. Parece que conseguem alguma ressonância, pois há entre muitos um sentimento difuso de que são realmente merecedores de deferência e inveja.
Ganha com isso repercussão o debate acerca do desinteresse pelos bens materiais representar na verdade uma espécie de fuga da sua busca. Qual seria o limite entre o direito individual a uma vida franciscana, de desapego, e o direito dos familiares e dependentes quando ainda não puderem prover o próprio sustento? Temos tendência a duvidar que essa desambição possa ser verdadeira – é quase como se acusássemos aquele que opta por ela de egoísmo ou infantilidade, por não dar maior importância àquilo que é fundamental na concepção da maioria. Mas possivelmente seja real – e uma das melhores coisas da vida.
Somos socialmente educados para valorizar apenas os símbolos fáceis de sucesso. Porém, este tem muitas vertentes, muitos significados, há infindas formas de tê-lo e, na maior parte delas, não estará ligado apenas à posse de bens materiais.
Tem-se valorizado muito pouco as conquistas intelectuais. Já quase não se admiram as pessoas por sua cultura e gentileza. Os heróis da ficção não são exatamente bons exemplos – são muitos os demagogos com belos discursos e escassas realizações.
Sem ter como referência um comportamento mais solidário, o desejo de desenvolvimento intelectual e uma boa reflexão sobre os valores sociais vigentes, até mesmo alguns que deveriam ser mais bem pensados antes de serem aceitos, será difícil mostrar aos jovens o verdadeiro valor da educação, embora seja possível e cada vez mais necessário.

17 de maio de 2014

O Melhor da Vida I Marcelo Jeneci

O que vale nessa vida
Tem um pouco do seu jeito
Jeito do seu corpo, jeito do seu pensamento
Jeito de gostar dos outros cada vez gostando mais
Do seu jeito de falar tranquilo
Como quem promete e faz
O que vale nessa vida é ver como você aproveita
Desde a hora que levanta até a hora que deita
Quando escolhe a coisa certa é tudo sem receita
Quando perto de você a própria confusão se ajeita bem
E me vem que a vida vale mil
Mil vezes sou nós dois
Mil meses de amor
Antes de ter prorrogação
Se a vida é por um fio
Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar no coração
E nas noites que o tempo para e você me abraça
Sinto que o melhor da vida sempre vem de graça
Sinto que o melhor momento é aquele que não quer passar
E que dura toda a eternidade
E isso é só pra começar
O que vale nessa vida, vale como um bom presente
Cai do céu, um bem que a gente sente
Vem como você vem antes de eu me preparar
E me diz: Vai ficar aqui, pois aqui é seu lugar
E me vem que a vida vale mil
Mil vezes sou nós dois
Mil meses de amor
Antes de ter prorrogação
Se a vida é por um fio
Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar no coração
E me vem que a vida vale mil
Mil vezes sou nós dois
Mil meses de amor
Antes de ter prorrogação
Se a vida é por um fio
Valeu pra quem já viu
Seu jeito de tocar no coração

16 de maio de 2014

EU FUI DEMITIDO HOJE NO ANO PASSADO - #eumechamoANTONIO

No dia 13 de maio de 2013, logo pela manhã, fui chamado pela minha gestora para uma sala pequena onde me foi anunciado que eu não estava mais nos planos da empresa. Em outras palavras, eu tinha sido desligado das minhas funções de redator/editor de conteúdo digital de uma das maiores startups de compras coletivas do país. Acho engraçado: hoje as pessoas são desligadas como se fossem uma velha máquina de lavar, um liquidificador inútil, um computador que não se adaptou ao novo sistema. Saudade do tempo de quando éramos demitidos! 
As pessoas se tornaram máquinas. Algumas pifam por vontade própria ou pelo tempo de uso e precisam ser imediatamente trocadas para não interromper o ciclo lucrativo de metas – planilhas – apresentações – reuniões – resultados; outras são simplesmente arrancadas da tomada sem esperar, da noite para o dia. Conheço outras ainda que são desconfiguradas do modus operandi:acordar-trabalhar-dormir. Isso quando “dormir” consegue ser encaixado no briefing do dia.
Eu faço parte das que foram desligadas porque a realidade da corporação não exigia mais tantas pessoas fazendo a mesma função. Até onde eu sei, minha máquina não apresentava defeito algum, meu processador ainda não tinha dado pane e minha memória ainda tinha bastante espaço para armazenar novos desafios. Mas, uma coisa é certa, às vezes é bom reiniciar nossa vida e procurar uma nova configuração para os nossos sonhos e evitar assim um boot inesperado. 
Se não fossem esses ciclos, a vida seria tão quadrada. Recomeçar sempre dá medo. Se recomeçar fosse um território, sem dúvida, faria fronteira com a Islândia, a Sibéria ou o Polo Sul. Dá um frio imenso na gente, parece que um iceberg desperta sem avisar e que o mundo de repente congela. Mas acho que esse medo é a vida espantando o que nos acomoda, ou incomoda. E acho que esse frio é a coragem esfriando nossa incapacidade de agir. E acho que esse iceberg é só um imenso amigo que quer nos levar para um porto seguro. E é lá que a vida precisa recomeçar.
Passado o susto do inesperado, ainda naquela pequena sala, minha gestora, visivelmente emocionada, disse que eu tinha tudo para brilhar lá fora e que seria melhor para mim. Na época, paralelamente ao trabalho, eu desenhava timidamente algumas coisas em guardanapos e tinha acabado de abrir uma página na internet (vocês provavelmente devem conhecer: Eu me chamo Antônio) para dividir essas criações com quem se interessasse. Realmente, seria melhor eu ter um tempo para me dedicar ao que eu acreditava ser o que eu faria daqui para frente. 
A partir daquele momento, comecei a levar a sério o que eu amava. No fundo, eu já queria pedir demissão, mas não sabia como exteriorizar isso, me faltava coragem para verbalizar essa vontade que vivia bagunçada em mim há um tempo. Faltava só organizar as letrinhas e… ter coragem! Ah, se a gente soubesse dos milagres que a coragem é capaz de produzir!
Quando algo lhe incomoda ou quando você começa a sentir uma angústia constante e não consegue pôr para fora, saiba que está acontecendo um diálogo entre você e o seu mundo interior. Pode ter certeza, ele não erra: algo está errado! Você não se encaixou nesse serviço. Ali não é o seu lugar. Aquele não é seu amor. Tenha coragem: peça demissão, mude de ares, termine o seu namoro. Hoje, completo um ano, exato 365 dias sem um emprego convencional. 
Não estou querendo dar um ctrl + alt + del no mundo corporativo, longe disso. Afinal, aprendi demais naquele ambiente, conheci pessoas incríveis e tive a sorte de vivenciar histórias inesquecíveis. Eu apenas descobri o que realmente me faz bem. Não que eu estava infeliz, mas meu caminho não era por aquela estrada.
Obrigado por terem me arrancado da tomada, agora eu posso me ligar no que me dá luz. Conquistar o que a gente ama é libertador.
*PEDRO GABRIEL nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”, perfil do Instagram e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo Antônio, lançado pela Intrínseca.
Fonte: http://www.intrinseca.com.br/site/2014/05/eu-fui-demitido-hoje-no-ano-passado/